domingo, 22 de fevereiro de 2015

Amigos

Há alguns anos ouvi uma mensagem que eu poderia resumir como: a Igreja já está cheia de irmãos, o que ela precisa é estar cheia de amigos. Por mais estranho que pareça, essa mensagem era dedicada a um grupo cristão que se reunia nas casas e tinha como orgulho a união alcançada por meio de uma prática cristã simples, que não se importava com ritos e sim com pessoas. Não sei quantos naquele dia foram alcançados pela mensagem. Talvez a maioria nutrisse uma certeza interior que aquilo já estava resolvido no meio do grupo, tão unido.

A amizade pode nascer de várias formas. Quando criança, brincamos com nossos vizinhos e fazemos amigos facilmente. Alguns desses entram conosco na adolescência, mais tarde, interesses em comum nos levam a estabelecer novas amizades. É comum na juventude acreditarmos que os amigos irão nos acompanhar por toda a vida (bom que algumas vezes é verdade!). Há as amizades que iniciam na escola, no trabalho e, também, dentro de um contexto religioso. É natural que alguns amigos se afastem, existem várias razões para isso. Mudança de endereço, de escola, escolha de caminhos diferentes, brigas, amores. Enfim, existem diversos motivos as relações se afastarem.

Dentro do contexto religioso cristão surge um tipo de amizade diferente. É fato que nas últimas 2 décadas o cristianismo mudou bastante. Temos um número crescente de instituições religiosas que focam apenas em eventos para distribuição de palavras de bênçãos e prosperidade, promovendo um rodízio de pessoas que mal tem tempo de se conhecerem, mas são necessárias para manter financeiramente a “igreja” com seus dízimos e ofertas. Entretanto, ainda temos grupos que promovem a “comunhão”, um tipo de amizade cristã, por meio de grupos pequenos, almoços, retiros ou apenas fomentando aquela conversa gostosa de fim de culto. Ainda temos os grupos não institucionais, que são mantidos quase que exclusivamente pela união dos participantes, que normalmente se reúnem nas casas, grupos que, apesar de existirem há muitos anos, agora entraram na moda e receberam o nome de igrejas orgânicas.

Mas, o que há de diferente nessa amizade que surge no meio cristão? Basicamente é a natureza da união das pessoas, já que a congregação é a junção de pessoas que buscam andar seguindo conceitos pré-estabelecidos. Portanto, há um propósito maior nessa união. O relato que está no início do livro de Atos dos Apóstolos é sempre lembrado como exemplo de um grupo perfeito e coeso.

O ser humano é sociável, mas diversificado, e dentro de uma congregação é natural surgirem subgrupos que se unem de acordo com afinidades de ideias (formas de crer) e desejos (forma de fazer). E assim, o grupo caminha e o bom líder, se guiado pelo Espírito, mantém a diversidade sadia e promove a integração entre diferentes subgrupos. Essa comunhão que surge dentro da igreja pode durar toda uma vida, fortalecer indivíduos em momentos de luta e criar vínculos duradouros. É realmente uma irmandade que surge, como uma nova família.

Mas, o que tem isso a ver com a mensagem, que citei no início? Qual a diferença entre irmão e amigo? Bom, a irmandade surge de imediato quando nos filiamos ao grupo e confessamos a mesma fé. A amizade surge com o tempo, quando trocamos partes sensíveis de nossa vida com outrem, em uma via de mão dupla.

Observando o relacionamento de Jesus com seus discípulos podemos perceber que o início foi um relacionamento “religioso”. Jesus era um mestre, fazia milagres e tinha uma promessa de um Reino diferente, o Reino de Deus. Os discípulos, já em um contexto de crença, se uniram ao mestre, alguns inclusive abandonando ao mestre anterior, João Batista. Entretanto, Jesus perto de sua morte declara algo: “Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer”. Chegou um momento eu Ele já não considerava aqueles 12 homens apenas como seguidores de uma causa em comum, mas os considerava amigos, pois conheciam tudo que era importante para ele. Mas como aqueles 12 homens viam Jesus. Certamente que como um líder, alguém com um ideal de libertação que eles esperavam por gerações e que poderia torná-los pessoas importantes.

Jesus foi levado à prisão só. Os discípulos, que já vinham falhando anteriormente em pedidos simples, como ficar em vigília em seu sofrimento, fugiram amedrontados. Aquele que o seguiu fez de tudo para não ser identificado como amigo. O fato é que a irmandade costuma falhar no momento em que não respondemos de acordo com o esperado na defesa da causa que nos une. Os discípulos sabiam que Jesus poderia ter escapado como fizera em outras ocasiões. Ou vencido, obrigando a submissão de todos e restaurado o reino de Israel. Mas não. Permitiu ser capturado, colocando fim ao sonho de seus seguidores, que voltaram aos antigos afazeres.

A irmandade é importante. Ela nos une em prol das Boas Novas. Mas a amizade é essencial. Ela nos une como pessoas. Somente a amizade é a prova de dúvidas com respeito à fé, erros doutrinários, filosofias tortas que passam por nós, doenças, cansaço dos ritos religiosos, mudança de fase na vida, excesso de atividades, mau humor, esquisitices, etc e etc. A irmandade abandona os que não são úteis a causa... a amizade está sempre ao lado.

Que a igreja entenda que o Evangelho não restaura apenas o relacionamento do ser humano com Deus, mas também do ser humano com seu semelhante. Somente assim nos tornaremos mais humanos e, como consequência, semelhentes ao Cristo.

Faça amigos!

O engano do “ide e fazei discípulos”

Não vou abordar os eventos históricos que culminaram em uma visão equivocada sobre o que chamamos de “ A Grande Comissão”. A intenção aqui é...

As mais lidas dos últimos 30 dias